terça-feira, 14 de julho de 2009

Nossas referências...

Em nossa formação, o Curso de Artes Cênicas da UFSM (CAC), há um nome que serve de grande referencial para o Santa Víscera: o da Professora Dra. Nair D’Agostini.
Ela deu aula no Curso de Artes Cênicas da UFSM por muitos anos, sendo que seu trabalho, em conjunto com o trabalho da Professora Dra. Inês Marocco, tiveram grande influência na formação do corpo docente do CAC, formado em sua maioria por ex-alunos de Nair e Inês.

Entre os integrantes do Santa Víscera, Lara teve aulas e foi orientada por Nair D’Agostini durante o curso. Ela destaca que, além de uma grande mestra de conceitos e técnicas do fazer teatral, Nair consegue enfatizar a parte humana do teatro, da ética e do compromisso do profissional desta área com a arte. No curso que eu, Graciane, e Lara realizamos em 2008, o Curso de Analise Ativa, foi possível presenciar e sermos inspirados por ela. Quando fala, Nair tem muita paixão e entrega pelo assunto que desenvolve. Sabe instigar, fazer o aluno pensar, debater e formar opiniões a partir das idéias de todos. Uma aula com Nair é uma experiência incrível.

As lições desta mestra do teatro são de indiscutível valor em nossa formação. Ela, que trouxe diretamente da Rússia as bases do que foi nos ensinado, pelo nosso ponto de vista, nos revela um Stanislavski um pouco diferenciado do que se conhece através dos livros publicados no Brasil, pois estes não excluem a ação física, mas enfatizam a primeira fase dos estudos deste autor, focados na memória emotiva. São livros bastante importantes, pois mesmo os estudos da 1° Fase embasaram em muito o método mais conhecido de atuação para o cinema, do Actor’s Studio, de Los Angeles. Porém, para o teatro, no NPT Santa Víscera, utilizamos em maior parte a 2° Fase.

O que chamamos 2° Fase do Método Stanislavski é focado Método das Ações Físicas. Foi desenvolvido nos últimos dez anos de sua vida (1928-1938). Nair estudou na Rússia, onde freqüentou o Curso de Interpretação Dramática de Arkadi Katsman e Lev Dodin, no Instituto Estatal de Teatro, Música e Cinema de Leningrado e também o Curso de Direção com os professores Georg Tovstonogov e Arkadi Katsman. Acompanhou o processo de criação e ensaios de espetáculos no Bolshoi e no Teatro Dramático de Leningrado, sob orientação de seu principal diretor, Georg Tosvstonogov, discípulo de Stanislavski.

Publicamos aqui, trechos da entrevista que ela concedeu à IHU On-Line, a Revista do Instituto Humanitas Unisinos:

IHU On-Line - Nestes tempos de extraordinárias mudanças tecnológicas, com reflexos nas formas de aquisição do conhecimento e na fruição da arte, qual é o lugar reservado para o teatro?


Nair D’Agostini - O lugar reservado para o teatro é no reino da teimosia de seus criadores. O teatro é uma arte coletiva em sua essência, e isso, hoje, quer seja por uma mentalidade da modernidade, quer por aspectos conjunturais, praticamente impossibilita o criar coletivo, e o torna quase utópico em uma sociedade individualista.

IHU On-Line - Ensina-se teatro seriamente, no Brasil? Quais são os principais centros formadores de diretores e atores? Onde nascem o teatro e a dramaturgia brasileiros?

Nair D’Agostini - Quase todos os estados do Brasil possuem escolas de teatro em nível superior e de boa qualidade, tanto em universidades federais quanto em particulares. Nos últimos dez anos, foram criados mestrados e doutorados na área de teatro, ainda insuficientes, mas que denotam a importância desse conhecimento em sua abrangência específica. Também existem escolas de alto nível formadoras de atores e de diretores nas grandes capitais, com profissionais especializados e competentes.

IHU On-Line - Com base na sua vivência internacional, que medidas básicas a senhora sugeriria para expandir o ensino e a disseminação da arte teatral no País? Qual seria o papel do Estado e das políticas culturais?

Nair D’Agostini - O teatro, quanto à formação específica de profissionais, exige pesquisa e aprofundamento permanente, que precisa se adequar à realidade sem perder a qualidade. A arte cênica não é vista como prioridade na política de fomentação à pesquisa. Bibliotecas, vídeos, seminários, intercâmbios, por exemplo, são fundamentais para se situar, em termos nacionais e internacionais, e buscar o desenvolvimento de novas linguagens e técnicas. Esses incentivos, atualmente, são mínimos nas universidades. As escolas de ensino fundamental e médio poderiam ter profissionais especializados em artes cênicas em seus corpos docentes e um currículo que contemplasse o teatro na formação integral, espiritual do indivíduo. Isso contribui para o desenvolvimento da sensibilidade e fruição para a arte teatral, e também forma cidadãos mais exigentes na sociedade. O Estado deveria ter verbas definidas em orçamento para a cultura, independentemente de leis de incentivo, pois estas, priorizam, em geral, grandes produções, que nem sempre têm conteúdo artístico genuíno, e se direcionam a interesses mercadológicos. Qual é a lei de incentivo à cultura que patrocinou um trabalho artístico experimental?

IHU On-Line - A senhora estuda, pesquisa e aplica o sistema de Stanislavski. No que ele consiste, em linhas gerais, e em que aspectos se diferencia dos demais?

Nair D’Agostini - Os escritos sobre o "sistema" envolvem a vida toda do investigador, pedagogo, diretor e ator teatral russo, Stanislavski. Ele promoveu uma revolução na arte teatral do século XX, pois a criação de seu "sistema" estabeleceu um caminho para o processo de criação, criou uma "gramática" da arte do ator, formulando leis, princípios que subordinam a arte do ator. O "sistema" foi construído e baseado nas leis da própria vida, na indissolúvel unidade física e psíquica, não contradizendo nenhum método existente que busca a presença viva, orgânica do ator em cena, e é nisso que consiste sua universalidade. Os seus escritos são inesgotáveis e se tornam, cada vez mais, objeto de estudo tanto na Rússia quanto no mundo. Seus ensinamentos continuaram a ser desenvolvidos e aprofundados por seus discípulos diretos e indiretos. O "sistema" é o resultado da experimentação prática, contínua de Stanislavski, que sistematizou e teorizou sobre os procedimentos artísticos seus e de seus atores que envolveram ampla e complexa gama de psicotécnicas externas e internas para a criação dos mais variados gêneros da dramaturgia contemporânea, que transcendem a um estilo específico. O próprio Stanislavski preconizava que os princípios do "sistema" não fossem dogmatizados e exigia do ator contínua investigação sobre si mesmo, que deveria durar a vida toda, experimentação e assimilação de toda uma cultura que deveria se tornar uma segunda natureza, se converter em carne e sangue para manter o terreno fértil para o trabalho criativo, a reprodução "da vida do espírito humano".

IHU On-Line - Quais são os seus projetos, relativamente a Stanislavski?

Nair D’Agostini - A minha pesquisa atual sobre Stanislavski refere-se ao Método de Análise Ativa, que envolve os últimos anos da vida do artista e pesquisador, mais precisamente de 1928 a 1938. Esse método de análise de ação do texto literário ou dramatúrgico possibilita, desde a primeira etapa do trabalho de criação do espetáculo, incluir a vida física do ator, o seu corpo no processo psicológico, ligando, dessa forma, o físico e o intelecto. Sem passar antes pelo processo analítico de compreensão do texto e da personagem, o ator passa ativamente para a criação, a fim de experimentar em si mesmo, o real conflito da obra e expressar por meio das ações físicas as mais complexas manifestações espirituais, ou seja, a "vida do espírito humano". Dessa forma, Stanislavski dá ao ator status de criador, e não apenas mero reprodutor das idéias do diretor. Autor, diretor e ator promovem, assim, a unidade de criação do espetáculo.

Para Nair, nosso muito obrigado.
Deixamos um abraço à todos.
(Postado por Graciane Pires)

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